sexta-feira, janeiro 06, 2006

O mundo é tão teu

O mundo é dos pobres.
Dos pobres de espírito.
Dos que violam.
Dos que assassinam.
Dos que abortam crianças nos vãos de escada.
Dos que acreditam na impunidade do segredo, do silêncio protector da muralha do dinheiro.
O mundo é teu.

O mundo é tão teu…

Denuncia a criança que rouba o pão.
Não denuncies o homem, o homem que lhe come as entranhas à noite a troco de algum dinheiro.
Não denuncies…

Não apagues de ti o que faz de ti humano.
Não apagues de ti a capacidade de esconder.
De fingir.
Que não vês.

Que não me vês.
Que não te vês.
Que não vês crianças…a morrerem…
Indignamente.

Todos temos o direito à dignidade na morte.
Jura que não vês os pequenos corpos nus, comidos pelo tempo a secarem ao sabor do vento conspurcados pela guerra, pelos pénis alheios pela fome, pela vida…

PELA PUTA DA VIDA.

A humanidade meu irmão, meu amigo, meu leitor é podre.

A humanidade é doença.

A humanidade alimenta no seu seio as piores perversidades os mais atrozes crimes.
E apaga-os com dinheiro…
Apagam-se as consciências.

És consciente?
O mundo é tão teu…

Abraça-o em ti.
Jura-me que não vês.
Que não sentes.
O meu grito que é o grito de uma consciência ferida pelo absurdo da sociedade.
Jura que não sentes vergonha das imagens que consomes com prazer sádico, com prazer voyerista.
Diz que não pensas.
Diz que não sentes.
Diz que não respiras…
Mostra-me os teus segredos.

Mostra-me que o mundo é tão teu.

Às vezes dói-me.
As dores de um mundo podre.
As dores da loucura a atingirem milhões, biliões, mundo.

Diz-me que não és humano…
Diz-me que o mundo não é teu.

Eu ainda tenho esperança em ti…

Vamos dormir.
Vamos sonhar sonhos de algodão doce.
Vamos devolver nos meus sonhos os sonhos das crianças.
Vamos fingir que não vemos gerações a nascer e a crescer no ódio de não serem nada.

Ah… o mundo é tão teu.

Cemitério de sonhos.
Sonhos que foram sonhos.
Sonhos que foram impossibilidades.
Impossibilidades que foram sonhos.

É o que guardo nas gavetas do meu quarto.

O meu quarto é um cemitério de sonhos, um cemitério que velhas vestidas de negro com lágrimas grossas penduradas no nariz visitam...
À noite.

De manhã sinto um cheiro perfumado.
Das flores brancas que deixaram aos pés da minha cama de onde pendem as carcaças de sonhos que fui sonhando ao longo da vida.

Num sono intermitentemente drogado.

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