quarta-feira, dezembro 28, 2005

A arte de ser solitário

Cresce o coro dos descontentes, de pessoas queixando-se da solidão. Esquecem que esta é uma condição primária do ser humano e que, ainda assim, é possível ser feliz.

A ideia que a maioria das pessoas faz da solidão é de um sentimento doloroso que nos acomete em determinados momentos. Aquela sensação de mal-estar que nos invade na sexta-feira à noite ou no domingo à tarde quando estamos sozinhos em casa, sem nada para fazer ou é o estado em que um amigo se encontra porque está passando por um período difícil, depois de uma separação.

Na verdade, a solidão é uma condição imanente ao homem, faz parte da vida. Só que, em certos momentos, a percebemos mais agudamente e não sabemos como lidar com ela. A solidão parece estar longe quando mantemos um relacionamento muito estreito, muito íntimo, com alguém que amamos, com quem temos bastante afinidade e pontos de contacto ou durante uma relação sexual, em que dois são um e sentimos que é possível uma união total.

Mas, cedo ou tarde, chega a hora de encarar a conclusão inevitável: cada um é um. Muitas vezes nos percebemos como parte de um todo, de uma família, de um grupo de amigos, de uma comunidade. Mas chegará o ponto em que tomaremos consciência de que a realização pessoal depende das próprias possibilidades. Em suma, por mais que se viva junto de quem se ama, por mais que se interaja socialmente, não será possível evitar, lá no fundo, a certeza de ser só.

Entender o que é um ser ajuda a compreender a solidão. Ser é tudo aquilo que tem vida. Ao contrário de um objecto inanimado, o homem tem consciência desse ser. Uma pedra pode sofrer solidão? Não pode, porque não tem consciência de que existe outra pedra. Com o outro ou em grupo, procuramos suprir as carências e a necessidade de nos sentirmos amados, desejados. Mas por estarmos com o outro ou com outros não deixamos de ser fundamentalmente sós.

Às vezes nos perguntamos como a solidão nos apanhou. O que aconteceu foi que, nessas circunstâncias, entramos em confronto com a solidão. Não que ela não tenha existido pela manhã, no escritório, ou na véspera, numa festa. Sempre esteve ali. O curioso é que as pessoas que se queixam de viver muito sós falam como se fosse um problema pessoal, e não uma característica de todos nós. Só quando o outro nos vê e nos reconhece, sentimos amenizar o peso da solidão, em função da convivência e da integração.

Uma criança pode brincar numa sala enquanto a mãe, no outro canto, faz tricô. Cada uma nas suas tarefas, concentrada nas suas coisas. Mas se a mãe sai, a criança inquieta-se, quer que ela volte, segue-a, precisa dela para lhe aliviar o peso da solidão. O mesmo acontece já com o bebé. Mesmo alimentado, limpo, confortável, ao ficar sozinho, chora, quer a interacção com outras pessoas, não aguenta a solidão. O próprio adulto com frequência não aguenta o peso da solidão. Há momentos em que se torna premente procurar o outro, mesmo que o outro seja representado por uma voz desconhecida ao telefone, por uma carta, uma lembrança...

Quem é que não sentiu essa espécie de vazio alguma vez, sozinho em casa? A televisão não distrai, a música, em vez de consolar, lembra situações em que havia pessoas queridas por perto, torna-se impossível concentrar-se na leitura de um livro. Mas basta telefonar para alguém e falar uns minutos para que mude esse panorama sombrio.

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