sexta-feira, dezembro 30, 2005
quinta-feira, dezembro 29, 2005
No silêncio
E em silêncio aguardo que o verbo ocorra e a palavra se solte num gemido… de morte… de silêncio.
Hoje queria dizer-te…
“Atrás de uma montanha está sempre outra montanha”
Na altura não percebi o que ela queria dizer com isso, nem tampouco aquela frase tinha feito diminuir à agonia que sentia…
A dor e a frase acompanharam-me durante anos; a dor diminuindo de ano para ano e aquela frase a fuzilar-me constantemente os meus neurónios.
O tempo transformou a dor num sentimento perfeitamente vulgar a tantos outros que preenchiam o meu ser, mas… aquela frase insistia sempre em martelar-me a cabeça…
Só passados muitos anos é que compreendi o significado daquela frase…
Meu amadurecimento e alguns acontecimentos na minha vida, fizeram-me compreender que a própria vida é muito simples de vivê-la e que, muitas vezes, o complicado da vida, somos nós a fazê-lo.
Que sábias palavras proferiu a velhinha…
O porquê do ser
O amor é a única esperança que remove o ser humano dos seus próprios dejectos e o faz procurar uma sombra que lhe permita curar as suas feridas abertas e fétidas.
O amor é um doce engano um véu que nos cobre os olhos e nos faz ver a vida por outros tons, outras linhas, outros pontos finais.
Será possível amar a mesma pessoa anos a fio? Será que essa pessoa ao sofrer a mutação que se sofre sempre no continuar da vida ainda nos irá preencher, mesmo 20 anos depois? Ou tudo não passará de uma mera ilusão que nos faz procurar, procurar incessantemente esse amor perfeito, essa comunhão eterna?
Será o amor exclusivo? Será o ser humano monogâmico? Será a fidelidade um conceito parco e em decadência?
Será que o ciúme permite que o ser amado nos rejeite, na busca de outra alma, outras características, outro sexo? Porque dizer: tu não me chegas, tu não me completas... é mostrar-nos inúteis, é rejeição disfarçada.
Poderá o ser humano encontrar o equilibro na linha do amor, da paixão?
Não será inevitável que o fascínio nasça entre outras pessoas, várias pessoas, que nos fascinam, nos apaixonam?
Dar forma aos pensamentos é agudizá-los, é torná-los nítidos, é dar-lhes validade.
Não posso fugir deles. Eles vivem em mim.
Eles nascem de mim. É na procura das respostas que a minha vida se justifica. A busca do porquê do porquê.
O porquê... do ser.
quarta-feira, dezembro 28, 2005
A arte de ser solitário
Mas, cedo ou tarde, chega a hora de encarar a conclusão inevitável: cada um é um. Muitas vezes nos percebemos como parte de um todo, de uma família, de um grupo de amigos, de uma comunidade. Mas chegará o ponto em que tomaremos consciência de que a realização pessoal depende das próprias possibilidades. Em suma, por mais que se viva junto de quem se ama, por mais que se interaja socialmente, não será possível evitar, lá no fundo, a certeza de ser só.
Às vezes nos perguntamos como a solidão nos apanhou. O que aconteceu foi que, nessas circunstâncias, entramos em confronto com a solidão. Não que ela não tenha existido pela manhã, no escritório, ou na véspera, numa festa. Sempre esteve ali. O curioso é que as pessoas que se queixam de viver muito sós falam como se fosse um problema pessoal, e não uma característica de todos nós. Só quando o outro nos vê e nos reconhece, sentimos amenizar o peso da solidão, em função da convivência e da integração.
Uma criança pode brincar numa sala enquanto a mãe, no outro canto, faz tricô. Cada uma nas suas tarefas, concentrada nas suas coisas. Mas se a mãe sai, a criança inquieta-se, quer que ela volte, segue-a, precisa dela para lhe aliviar o peso da solidão. O mesmo acontece já com o bebé. Mesmo alimentado, limpo, confortável, ao ficar sozinho, chora, quer a interacção com outras pessoas, não aguenta a solidão. O próprio adulto com frequência não aguenta o peso da solidão. Há momentos em que se torna premente procurar o outro, mesmo que o outro seja representado por uma voz desconhecida ao telefone, por uma carta, uma lembrança...
terça-feira, dezembro 27, 2005
segunda-feira, dezembro 26, 2005
E de novo acredito…
Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros.
Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram...
Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre.
A vida é uma estrada…
Ouço ao longe o som de uma estrada, o movimento, o zumbido, rugido de veículos num ir e vir.
Cerrando os olhos, submergindo em mim, tento deslocar-me ao tempo que vivi a sorrir.
Reactivar lugares e gentes, um momento de felicidade, de vida, de sentir.
A vida é sim uma via em sentido único.
Ficam-nos nos olhos as lágrimas, o desejo de se nunca chegar ao fim da viagem.
Viver é um passar, seguir um certo rumo.
Com os nossos sentidos, nossa alma mesmo, cada dia vivido, parte da paisagem.
domingo, dezembro 25, 2005
Continuo a sentir um vazio…
Continuo a sentir um vazio porque ouvi uma música que tocou-me no mais profundo do meu ser ficando com medo do que tenho para lá desse profundo.
Continuo a sentir um vazio porque deixei invadir-me pelas lágrimas simplesmente porque as cicatrizes que coleccionava no peito se abriram todas de uma só vez devido a uma brisa malévola que as atingiu.
Continuo a sentir um vazio porque senti o desespero tão perto, bastava esticar os dedos e tocar, estava mesmo ali embalando uma canção tão sedutora.
Continuo a sentir um vazio porque deixei que o fio condutor do sentido desaparecesse e demorei uma eternidade a encontrá-lo.
Continuo a sentir um vazio…
sábado, dezembro 24, 2005
Sinto-me vazio...
Sinto-me vazio, não de amigos, não de pessoas, não de sentimentos.
Sinto-me vazio, não de palavras, não de ideias, não de amor.
Sinto-me vazio, não de dor, não de carinho, não de raiva.
Sinto-me vazio, não de ar, não de água, não de fome.
Sinto-me vazio, não de sangue, não de carne.
Hoje... simplesmente sinto-me vazio!
Solidão
A náusea, eu tento curar com filosofia.
O pensar incessante, eu curo com meia hora de TV.
Os amigos que se preocupam e querem saber de tudo, eu curo com a tecla "silenciar" do telemóvel que eu não atendo.
Meu existir, eu não preciso curar porque um dia vai acabar mesmo.
O cansaço, eu curo com dois dias na praia.
O desejo por liberdade, eu curo com arte.
O sonho, eu curo com realidade.
A realidade, eu curo com sonho.
O hoje, eu curo pensando no amanhã.
O amanhã, eu curo vivendo o dia de hoje.
A carência, eu curo, eu sempre curo.
Tudo o mais, eu curo com solidão.
sexta-feira, dezembro 23, 2005
A indiferença...
Elogio a menos é insensibilidade.
Elogio a mais é chantagem emocional.
Ciúme a menos é indiferença.
Ciúme a mais é doença.
Atenção a menos é indiferença.
Atenção a mais é clausura.
Liberdade a mais é indiferença.
Liberdade a menos é insegurança.
Palavras duras de menos é indiferença.
Palavras duras demais é desequilíbrio.
Cuidado a menos é indiferença.
Cuidado a mais é sufocante.
Ouvir a menos é indiferença.
Ouvir a mais é ser omisso.
Perguntar a menos é indiferença.
Perguntar a mais é bisbilhotice.
Querer sexo a menos é ser indiferente.
Querer sexo a mais é ser um tarado que só pensa naquilo.
Presente a menos é indiferença.
Presente a mais é sempre de menos.
Dinheiro a menos é indiferença.
Dinheiro a mais é prova de amor eterno.
E por mais que se lute contra isto, o ser humano é um ser de extremos e eternamente insatisfeito... por isso é que nem tento atingir um equilíbrio.
quinta-feira, dezembro 22, 2005
BOAS FESTAS (Parte 2)
Façam algo diferente!
Façam o melhor que puder
Com aquilo que tiverem!
Enfeitem-se, alegrem-se.
Se não tiverem dinheiro,
Encham vossos corações de amor!
Sejam a própria árvore
Com bolinhas coloridas
E muito riso!
O calor que emana dos vossos abraços
Dinheiro nenhum no mundo
Poderia comprar.
Dêem um abraço, um sorriso,
Um gosto de ti, um amo-te...
...Sejam vocês o presente!
BOAS FESTAS (Parte 1)
UM FELIZ NATAL E UMAS OPTIMAS ENTRADAS EM 2006
Não estou a ser hipócrita ou sarcástico nos meus votos, são votos sinceros e de coração.
Consegui atingir um patamar tão alto que vejo estas pessoas tão pequeninas que até fico com pena delas…
Desejo que 2006 traga consciência e paz nelas.
quarta-feira, dezembro 21, 2005
Natal sarcástico
Quero que fique claro que eu não detesto o natal. Sou cristão e aprecio e pratico o significado do natal. Não gosto é do resto externo a família. É nesse sentido que imaginei um natal para os cara de cus que costumam andar por ai nesta quadra natalícia ;)
O natal sarcástico que idealizei é preparado em 4 passos:
1º Passo: Confunda tudo.
Um dos motivos que tornam o Natal especialmente irritante é a conjunção de duas mitologias: uma, a cristã, celebrando o nascimento de Jesus, como insistem em nos lembrar grupos religiosos em folhetos e discursos para que deixemos de lado o comercialismo fútil e "não esqueçamos o importante da data"; outra, de vaga origem norte-européia, celebrando o Pai Natal e sua fábrica de brinquedos, como insistem em nos lembrar os anúncios de TV promovendo o comercialismo fútil.
Pois confunda ainda mais as coisas: no Presépio, troque um par de bezerros por um par de renas e um trenó. Troque os pastores por um Pai Natal e dois duendes. Na árvore de Natal, em vez de luzes pendure vários crucifixos. Se algum idiota perguntar, lembre-lhe que "o Natal é importante porque celebra o nascimento de Pai Natal, o Bom Velhinho que morreu por nós na cruz".
2º Passo: Perfume a casa.
Durante a Noite de Natal, pegue vinte quilos de bosta fresca de rena e jogue no jardim ou na entrada da casa. Se alguém perguntar, explique que "devem ter sido as renas do Pai Natal".
OBS.: Nesta época do ano, especialmente em países tropicais, pode ser difícil encontrar bosta fresca de rena. Nesse caso, utilize bosta fresca de camelo. E, se alguém perguntar, explique que "devem ter sido os camelos dos Reis Magos". É claro que com a bosta de camelo convém mais esperar até 6 de Janeiro, Dia de Reis.
3º Passo: Faça comentários lógicos.
No meio da Ceia, quando todos estiverem sorrindo e celebrando a união familiar, o amor fraterno e outras fantasias delirantes, comente em voz alta e em tom grave: "Vocês sabiam que o Natal é a época do ano em que ocorrem mais suicídios, especialmente por enforcamento ou asfixia com gás?" Ou: "Que pena, parece que as renas estão em extinção devido à caça predatória ilegal." Não vai acabar totalmente com a festa, mas talvez ajude a fazer com que as pessoas mantenham pelo menos um dos pés na realidade e não esqueçam em que mundo vivem.
4º E último Passo: Acabe com o Pai Natal.
Se na sua casa houver chaminé, coloque na lareira equivalente um conjunto de roupas vermelhas parcialmente queimadas, uma barba branca chamuscada e uma boa quantidade de cinzas, ou então um esqueleto carbonizado, o que você encontrar primeiro. Quando alguma criancinha perguntar chorando se o Pai Natal morreu, console-a explicando que "sim, mas não fique triste, para a ceia a mãe preparou um delicioso assado de Coelhinho da Páscoa".
É claro que não desejo nada de isto a ninguém, mas há momentos de raiva que realmente apetecia fazer isto e muito mais….
Finalmente :)
Estando agora na minha pausa depois do almoço e a beber o meu café com a companhia de costume (ou seja, sozinho), comecei a olhar para o mundo que me rodeia; os casais, os solitários, os putos, em fim... A olhar a minha volta e a pensar em mim, em como era o meu estado de alma no ano passado e em como hoje me sinto.
Finalmente consegui perder o preconceito que tinha. Realmente neste momento, pouco me importa aquilo que venham a pensar de mim. Digamos que estou realmente com os pés bem assentes no chão. Sei perfeitamente qual é o meu lugar e aquilo a que posso aspirar. Sem ilusões patetas e perfeitamente conformado com a minha condição.
A personagem "Vendetta" foi MUITO boa para mim porque ajudou-me e mostrou-me o caminho que deveria seguir para ser o que realmente sou; com virtudes e defeitos como a maioria dos mortais...
E lógico que as amizades que ganhei com esta personagem foram peças essenciais no desenrolar deste processo. Elas neste momento são muito importantes para mim. Nutro um grande afecto por algumas delas e um grande respeito pelas restantes.
Os pensamentos, comentários e desabafos de todos eles ajudaram (e de que maneira) a ver que afinal não sou assim tão besta, quadrado, antipático, frio, racional, cara de cu, em fim... Tantos nomes que tenho ouvido ao longo da vida....
Obrigado minhas lindas, obrigado camaradas, obrigado a todos.
Espero retribuir de alguma forma tudo aquilo que vocês me deram.
É de louvar
terça-feira, dezembro 20, 2005
Sarcasmo
Como parece que existe pessoas que ainda não sabem o que quer dizer, aqui fica uma breve definição:
Sarcasmo é talvez uma das mais interessantes capacidades cognitivas do cérebro humano. Para além da compreensão literal de uma mensagem, exige-se a detecção dos exageros e distorções lógicas/ linguísticas necessárias à sua compreensão.
O sarcasmo é geralmente acompanhado por um conjunto de expressões faciais ou construções linguísticas que ajudam a clarificar o verdadeiro sentido do que foi dito. No entanto tais pistas nem sempre estão presentes, e neste caso uma sequência complexa de capacidades cognitivas é necessária para a sua detecção.
A compreensão do sarcasmo exige uma correcta percepção do estado mental/ intenção do emissor. Isto ajuda a distinguir um “erro” de um “sarcasmo”, e ajuda também a identificar se aquilo que o emissor diz é consistente com o que se espera que ele diga. Não é portanto de surpreender que ironia e sarcasmo sejam talvez uma das últimas capacidades cognitivas que as crianças desenvolvem.
Pérolas...
Sinto que tu habitas o hábito de muitas dores engolidas que foram enchendo uma arca de esferas tristes.
São pérolas. Vou guardá-las para as atirar a um mar de marés mansas. Onde elas possam dormir com sonhos de pregar um sorriso nesse olhar.
segunda-feira, dezembro 19, 2005
Todos temos diversos “EUS”
De alguma forma, quando nos referimos ao nosso "Eu", falamos com tanta propriedade, que acabamos acreditando e passando a ideia de que sabemos exactamente tudo o que somos. Eu tenho um amigo, por exemplo, que sempre se descreveu e mostrou ser uma pessoa calma, controlado, sempre correcto, daquelas que nunca perdem a hora ou se esquecem de ligar no dia do aniversário de alguém. Isso até o dia em que se viu no trânsito, olhos vermelhos, irritado, berrando alucinadamente e perseguindo em contra mão, um motoqueiro que sem querer esbarrou no espelho retrovisor do carro.
O que aconteceu com ele? – Devem estar a perguntar-se – Ficou maluco? Ou então podem estar a pensar que talvez ele nunca tenha sido calmo e que na verdade era um alucinado disfarçado de cordeiro. Isso porque em geral nós sempre pensamos que as pessoas são isso "ou" aquilo. Pensamos que "ou" a pessoa nos ama, "ou" não nos ama. "Ou" é boa, "ou" má, e ponto final!
O que eu proponho agora é que arrisquem, pelo menos durante a leitura deste texto, a trocar o "ou" pelo "e".
Voltando ao meu amigo, eu poderia arriscar a dizer que ele era uma pessoa calma "e", ao mesmo tempo, uma pessoa raivosa, capaz de babar no capacete do motoqueiro, que de tão assustado, quase bateu no quiosque do jornal...
O mesmo acontece com todos nós. Quando pensamos em nosso "Eu", na verdade seria muito mais correcto imaginarmos muitos "Eus" convivendo lado a lado. Quanto mais conhecemos cada um desses "Eus" e quanto mais contacto um "Eu" tem com o outro, mais hipótese temos de ter uma vida pacífica. Mas quando esses "Eus" não se conhecem, e cada um tem a sua própria ideia da direcção a seguir, fica difícil um acordo entre eles e o nosso espaço interno vira um verdadeiro campo de batalha.
Para ajudar-vos a visualizar tudo isso vou apresentar brevemente esses "Eus", que se acotovelam dentro de nós. Alguma vez sentiram uma cotovelada no estômago?
Vou começar pelo Eu criança. Todos nós temos uma criança dentro de nós. (TODOS, acredite!) A criança dentro de nós é aquela parte inocente, criativa, brincalhona e, sobretudo, espontânea. É ela que fica ansiosa quando vamos fazer alguma coisa nova. É ela que nos deixa totalmente travado em frente a uma pessoa que conhecemos como uma autoridade. É a criança que faz com que às vezes te sintas inseguro, mesmo sem motivo aparente. Ou que torna-te teimoso, birrento e mimado, querendo que tudo aconteça exactamente como planejou.
Agora o Eu inferior, é aquele lado que temos, mas que gostaríamos de não ter. O Eu Inferior é feito de todos aqueles sentimentos que consideramos negativos e que somos ensinados a evitar. É o "Eu" que sente ciúme, inveja, raiva, pensa coisas horríveis, persegue motoqueiros e muitas vezes tem uma assustadora vontade de "esganar" alguém. É como um bicho dentro de nós, que muitas vezes nos assusta até mais do que aos outros. Basta ver alguém em meio a um acesso de fúria para ter uma boa ideia desse tal de Eu Inferior.
Socorro! Quando nos damos conta de que temos esse monstro horrendo dentro de nós, entramos em pânico e logo nos empenhamos em construir uma máscara para esconder essa aberração. Assim surge o "Eu mascarado". Falso, falso, falso, esse "Eu" é uma criação, uma tentativa de sermos aceitos pelas pessoas e pela sociedade. É aquela parte que tenta ser bonzinho, ou sábio, ou poderoso, e por aí em adiante. Tudo fingimento é claro! Mas às vezes fingimos tanto e tão bem, que até nós mesmos acabamos acreditando que aquilo é real.
Estão localizando cada um desses "Eus"? Então imaginem a seguinte situação... Sabem quando vêm, ao longe, aquela pessoa chata que sempre colasse a uma pessoa e fala, fala, fala, sem perguntar se queria-mos ouvir? O Seu Eu Criança talvez tenha vontade de sair correndo e esconder-se atrás do poste antes que ela te veja. O Eu Inferior, por sua vez, talvez tenha o impulso de rosnar algo assim: "Como consegues ser tão chato? Não suporto ficar ao teu lado, sabias?". Mas a Máscara é aquela parte que fica ouvindo, com cara de melão, sorriso amarelo pendurado, enquanto pensas no tempo que estás a perder e rezas para que aquela tortura termine logo de uma vez (é claro que isso nunca acontece, porque pessoas chatas assim adoram caras de melão!).
Mas nem tudo está perdido! Dentro de todos nós existe também um Eu que reflecte o que temos de melhor. Acreditem, todo ser humano possui dentro de si a capacidade de ser sábio, de amar, de respeitar a si mesmo e ao próximo, de perdoar, e muito mais. Estou a falar do "Eu superior". Quando permitimos que esse Eu conduza nossa vida, aprendemos a lidar com o Eu Criança, a aceitá-lo, a amá-lo e ajudá-lo a crescer. É o Eu Superior que pode ajudar-nos a curar o Eu Inferior, a transformar criativamente essa negatividade em uma força positiva. É o Eu Superior que nos ajuda a abrir mão das máscaras e a nos aceitar exactamente como somos, pois ele nos lembra que somos divinos (com apimentados toques de imperfeições, é claro!). Leveza e humor são qualidades do Eu Superior e tornam todo o resto muito mais fácil.
Meu Eu Mascarado.
Ora, todos nós, desde que somos crianças, aprendemos com os nossos pais e professores uma série de regras para viver em sociedade... “Corte com a faca na mão direita”... “Não faça barulho com o palhinha do refrigerante”... “Agradeça quando receber algo de alguém”... E por aí adiante.
Aprendemos, assim, o que “se deve” e o que “não se deve” fazer.
Até aí, tudo bem, porque é necessário que saibamos usar essas máscaras com sabedoria para nos relacionarmos com as outras pessoas com respeito e harmonia.
…Como seria se eu decidisse ir a reunião importante de trabalho vestindo calções, t-shirt e sandálias, só porque está fazendo um calor terrível?... Penso eu, enquanto visto meu fato e sapatos de pele. É claro que estou usando uma máscara, de certa forma construindo um personagem, e DESDE QUE EU SAIBA DISSO, está tudo bem.
Os problemas acontecem quando nos esquecemos de quem somos e nos misturamos com as máscaras que criamos.
Para que percebam o meu ponto de vista e o mecanismo das ditas “Mascaras”, vou criar duas personagens distintas. Duas personagens que no fundo conheço muito bem…
Máscara da agressividade
Imaginem que o Quim tenha sido criado em uma família dessas poderosas, com pessoas fortes, que valorizavam a força, a coragem, a audácia. A ironia é que Quim não era tão corajoso assim, e nem teria que ser, afinal, era apenas uma criança aprendendo a lidar com um mundo que é vasto e, muitas vezes, assustador. Mas o fato é que todas as vezes que chorava, Quim era desprezado nessa família de fortes.
Com o tempo, ele foi aprendendo que seria muito mais valorizado se mostrasse decidido, invulnerável e independente. Quim cresceu e se tornou poderoso. É director de uma empresa multinacional e seus subordinados têm medo dele. É muitas vezes agressivo, jamais admite um erro, e parece ter o poder de intimidar as pessoas. Conseguiu muitas coisas graças a esse jeito de ser, mas no fundo não se sente tão forte assim. Muitas vezes se sente horrivelmente cansado e assustado, e nessas vezes mostra-se ainda mais assustador, para que ninguém perceba a sua “fraqueza”. Ele continua agindo pela vida como imaginava que as pessoas gostariam que agisse, de acordo com essa máscara que construiu. O seu Eu mascarado poderoso existe porque ele quer ser aceite pelas pessoas, e porque não quer que percebam como na verdade se sente vulnerável.
No fim, o que acontece é que ele representa tão bem seu papel que ninguém o enxerga como é. Ninguém percebe o quanto se sente cansado, o quanto precisa de ajuda e compreensão. Quim raramente receberá um colo ou um carinho. Com certeza atrairá muitas situações difíceis, pessoas que a confrontarão, confirmando a hipótese de que o mundo é mesmo agressivo e que ele deve se armar e se defender. Vocês percebem? Quim tornou-se prisioneiro de sua máscara. Com o tempo, até mesmo Quim se esquece de quem é, e em alguns casos, passa a achar estranhos sentimentos como afecto, cuidado e amor, como se fossem falsos ou hipócritas.
Bem, o caminho de crescimento para uma pessoa como Quim envolve um risco que ele consideraria enorme... o risco de deixar que as pessoas vejam o que se esconde sobre a máscara. Deixar que percebam que ele não é tão forte como parece, mostrar que também tem medo às vezes, que também se cansa, que também precisa de ajuda... um risco e tanto para alguém como ele!
Máscara do amor
Bem, agora vou criar outro personagem, vou chamá-lo Zé.
Zé, diferentemente de Quim, foi criado em uma família que tinha como valores principais a generosidade, a ajuda ao próximo, a bondade, o perdão, o amor. Em sua casa qualquer expressão de raiva era vista como algo ruim (e não como força, como no caso de Quim). Assim, ele aprendeu que devia conter sua raiva, ser sempre compreensivo, amoroso e gentil. Quando agia assim era aceito e amado. Quando explodia era criticado ou deixado de lado.
Por outro lado, quando Zé chorava e se mostrava fraco, era acolhido e ganhava um delicioso leite com chocolate que sua mãe lhe preparava com todo o carinho, enquanto o abraçava... “Pobrezinho, a mamã está aqui”, dizia ela.
Bem, o facto é que Zé cresceu e construiu um Eu Mascarado que era pura bondade. Trabalha em inúmeros projectos sociais, ajuda muitas pessoas, não ganha lá muito dinheiro, é verdade. As pessoas o vêem como uma pessoa generosa, gentil, compreensiva, boa. É claro que muitas pessoas passaram a tentar aproveitar-se dele. Outras colaram-se a ele como sanguessugas, telefonam de madrugada para falar de seus problemas, pedem dinheiro emprestado (que sempre esquecem-se de devolver, é claro), chegam uma hora atrasadas em um encontro sem se preocupar, porque sabem que “Zé não se importa, é tão bonzinho...”. Raramente Zé se impõe ou perde a paciência com alguém. Quanto muito, fica amuado, tristemente encolhido em um canto, com cara de cão sem dono, esperando assim que as pessoas se arrependam de tê-lo feito sentir-se tão mal assim.
No fundo Zé sente muita raiva. Também se sente tão cansado quanto Quim. Não consegue se sentir valorizado, não consegue impor limites, não sabe dizer “Não”. Seu Eu Mascarado o aprisiona também. Não pode sequer lidar com a ideia de que, como qualquer ser humano, sinta raiva, ciúme, inveja e até mesmo ódio. Não consegue colocar-se em primeiro lugar. Não enfrenta as pessoas.
Seu caminho de crescimento requer que, como Quim, ele enfrente um enorme desafio: o de correr o risco de ser quem é. Seu desafio é mostrar que não é sempre tão bonzinho como pensam. Que, como qualquer pessoa, também se irrita, e que é capaz de dizer “não” quantas vezes for necessário. Zé precisa parar de querer agradar sempre e correr o risco de que não gostem dele. Afinal, é impossível agradar a todos, não é? Precisa deixar aparecer aqueles sentimentos que aprendeu a considerar “maus”. Precisa deixar que as pessoas percebam que também fica chateado, que não está disponível 24 horas por dia e que merece ser respeitado.
Deixando um pouco as máscaras de lado, acho importante ressaltar que é claro que existem pessoas que são verdadeiramente fortes e verdadeiramente amorosas. Isso nem sempre é uma máscara!!! Mas quando essas qualidades são reais, elas não pesam. Podemos ser fortes sem precisar negar os momentos em que nos sentimos vulneráveis. Podemos ser amorosos sem nos apagar ou diminuir por isso. Quando somos de verdade fortes, ou amorosos, fazemos isso sem sentir aquele cansaço e mal-estar que a máscara trás.
Só podemos sentir a brisa da vida com o rosto descoberto! E como eu sei isso, luto para não sentir o cansaço e mal-estar que tenho sentido ultimamente…
sexta-feira, dezembro 16, 2005
Um começo...
Porque começar com uma mascara e acabar sem ela? Ainda não sei…·
Porque escrever aqui? É melhor do que falar para as paredes…·
Mesmo desgostoso, quero acreditar nas pessoas, no lado positivo, nos amigos….
E foram precisamente esses amigos que abriram novos horizontes e novas formas de pensar. Tudo o que eles me falam e comentam, juntando ao que leio, fez que evolui-se.
Procuro ainda respostas, mas, o facto de criar este espaço já é um avanço para ser “EU” e não a mascara que criei…
Dizem que a terceira é de vez…. Vamos ver se desta saio do buraco :)